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SYLVIA COLOMBO
BUENOS AIRES, ARGENTINA (FOLHAPRESS) - Na Argentina, mulheres marchando com um lenço na cabeça há pelo menos 40 anos têm um significado único. São as Mães da Praça de Maio, que até hoje o usam como símbolo de luta pela reaparição de seus filhos, sequestrados pela repressão da ditadura (1976-1983).
Agora, o lenço voltou às ruas como sinal de protesto feminino. Em vez de branco, é verde, e se usa na cabeça, pescoço ou ajudando a compor o vestuário. O tom combativo é o mesmo. O que pedem é "aborto seguro, legal e gratuito".
Essa já era uma das reivindicações do movimento feminista #NiUnaMenos, de em 2015, que também pedia políticas contra crimes contra mulheres, entre outras bandeiras. Mas a legalização do aborto se impôs nas passeatas.
Em fevereiro, o presidente Mauricio Macri pediu que o Congresso avaliasse projeto sobre o tema. Muitos viram no gesto uma estratégia política, uma vez que, desde dezembro, Macri vem perdendo popularidade (de 58% para 35%) devido à sua política de ajustes.
Afinal, o mandatário sempre se proclamou "pró-vida". Nesse caso, porém, disse que se o Parlamento o aprovar a lei, ele não vetará.
Hoje, o aborto é permitido na Argentina apenas em caso de risco de morte da mãe e de estupro. A lei que será votada na quarta-feira (13) legaliza o aborto de forma irrestrita até a 14ª semana de gravidez.
A primeira votação ocorre na Câmara. São necessários 129 votos a favor, entre os 257 deputados. Na contagem atual, estão faltando 28 votos para que o projeto passe para o Senado. Se aprovado, bastaria a assinatura do presidente.
As militantes feministas estão engajadas na busca de votos. Por outro lado, os que rejeitam a medida também se movem. Por exemplo, mandando a cada deputado fetos de plástico dentro de caixões.
Macri liberou seus ministros e parlamentares a votarem de acordo com a consciência. Entre os que se posicionam a favor, estão os ministros de Cultura, Pablo Avelluto, Ciência, Lino Barañao, e Saúde, Adolfo Rubinstein.
"Para mim a discussão não é filosófica nem religiosa. Parto do princípio de que é uma questão de saúde pública em que temos milhares de mulheres em risco e que muitas delas morrem todos os anos. É dever do Estado protegê-las, e o aborto tem de estar entre as opções. Depois, estão os programas de educação sexual e de acompanhamento da gravidez vulnerável", afirma Avelluto à reportagem.
Ele reforça que não compartilha dos argumentos dos extremos, "nem dos que dizem que quem defende o aborto é um assassino de bebês nem os que são contra e dizem que as mulheres vão usar o aborto como contraceptivo. Isso é prova de que a sociedade precisa de mais informação".
Alguns fatos recentes têm empurrado a causa adiante, como o de uma garota de 10 anos, em Salta, que engravidou do padrasto. Ainda que a lei autorize o aborto por estupro, como pediu a mãe da menina, o governador Juan Manuel Urtubey o proibiu.
Se a lei passar, a Argentina entraria no restrito grupo de países latino-americanos que descriminalizaram o aborto, ao lado de Cuba e Uruguai.
Segundo o Ministério da Saúde do país, são realizados entre 370 mil e 522 mil abortos clandestinos anualmente. Só no ano passado houve 10 mil internações por complicações durante essas práticas, e 63 mortes, entre os números oficiais. Pesquisa recente mostra que 52% da população aprova o projeto de lei.
Discussão é avanço que não terá volta, afirma escritora
Uma das primeiras defensoras da causa foi a escritora Claudia Piñeiro. Em programa de TV, ela questionou a vice-presidente Gabriela Michetti, que é católica e antiaborto, sobre a questão. Rodeada de mulheres defensoras da aborto, ela afirmou que não via problema em que se começasse uma discussão parlamentar.
"Não tinha ideia do que viria depois, mas achei positivo o posicionamento dos dois [Macri e Michetti], pois acabaram lançando um debate que levar a uma definição que vai contra seus princípios. Mas isso é democracia, é saudável para o país", diz Piñeiro à reportagem.
Mãe de três filhos, Piñeiro, 58, crê que a proposta "pode até perder por poucos votos, mas já conseguimos um avanço que não terá volta."
"Em vários países foi assim, no próprio Uruguai houve derrotas parlamentares a princípio, mas uma vez que o assunto se transforma em pauta da sociedade, pode demorar mais um ou dois anos, que acabará passando", disse.
Piñeiro diz que se impressiona com a quantidade de mulheres jovens nas marchas. "Elas de fato fazem a diferença, porque são as mulheres do futuro e que querem decidir por si mesmas."
Os que são contra o projeto alegam que a lei que permite abortar quem é vítima de estupro é suficiente. "Mas eles defendem um paradoxo. Se garantem que a vida começa na concepção e que os fetos têm direitos, por que permitem que o feto gerado de um estupro seja abortado?", defende Piñeiro.
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SYLVIA COLOMBO
BUENOS AIRES, ARGENTINA (FOLHAPRESS) - Na Argentina, mulheres marchando com um lenço na cabeça há pelo menos 40 anos têm um significado único. São as Mães da Praça de Maio, que até hoje o usam como símbolo de luta pela reaparição de seus filhos, sequestrados pela repressão da ditadura (1976-1983).
Agora, o lenço voltou às ruas como sinal de protesto feminino. Em vez de branco, é verde, e se usa na cabeça, pescoço ou ajudando a compor o vestuário. O tom combativo é o mesmo. O que pedem é "aborto seguro, legal e gratuito".
Essa já era uma das reivindicações do movimento feminista #NiUnaMenos, de em 2015, que também pedia políticas contra crimes contra mulheres, entre outras bandeiras. Mas a legalização do aborto se impôs nas passeatas.
Em fevereiro, o presidente Mauricio Macri pediu que o Congresso avaliasse projeto sobre o tema. Muitos viram no gesto uma estratégia política, uma vez que, desde dezembro, Macri vem perdendo popularidade (de 58% para 35%) devido à sua política de ajustes.
Afinal, o mandatário sempre se proclamou "pró-vida". Nesse caso, porém, disse que se o Parlamento o aprovar a lei, ele não vetará.
Hoje, o aborto é permitido na Argentina apenas em caso de risco de morte da mãe e de estupro. A lei que será votada na quarta-feira (13) legaliza o aborto de forma irrestrita até a 14ª semana de gravidez.
A primeira votação ocorre na Câmara. São necessários 129 votos a favor, entre os 257 deputados. Na contagem atual, estão faltando 28 votos para que o projeto passe para o Senado. Se aprovado, bastaria a assinatura do presidente.
As militantes feministas estão engajadas na busca de votos. Por outro lado, os que rejeitam a medida também se movem. Por exemplo, mandando a cada deputado fetos de plástico dentro de caixões.
Macri liberou seus ministros e parlamentares a votarem de acordo com a consciência. Entre os que se posicionam a favor, estão os ministros de Cultura, Pablo Avelluto, Ciência, Lino Barañao, e Saúde, Adolfo Rubinstein.
"Para mim a discussão não é filosófica nem religiosa. Parto do princípio de que é uma questão de saúde pública em que temos milhares de mulheres em risco e que muitas delas morrem todos os anos. É dever do Estado protegê-las, e o aborto tem de estar entre as opções. Depois, estão os programas de educação sexual e de acompanhamento da gravidez vulnerável", afirma Avelluto à reportagem.
Ele reforça que não compartilha dos argumentos dos extremos, "nem dos que dizem que quem defende o aborto é um assassino de bebês nem os que são contra e dizem que as mulheres vão usar o aborto como contraceptivo. Isso é prova de que a sociedade precisa de mais informação".
Alguns fatos recentes têm empurrado a causa adiante, como o de uma garota de 10 anos, em Salta, que engravidou do padrasto. Ainda que a lei autorize o aborto por estupro, como pediu a mãe da menina, o governador Juan Manuel Urtubey o proibiu.
Se a lei passar, a Argentina entraria no restrito grupo de países latino-americanos que descriminalizaram o aborto, ao lado de Cuba e Uruguai.
Segundo o Ministério da Saúde do país, são realizados entre 370 mil e 522 mil abortos clandestinos anualmente. Só no ano passado houve 10 mil internações por complicações durante essas práticas, e 63 mortes, entre os números oficiais. Pesquisa recente mostra que 52% da população aprova o projeto de lei.
Discussão é avanço que não terá volta, afirma escritora
Uma das primeiras defensoras da causa foi a escritora Claudia Piñeiro. Em programa de TV, ela questionou a vice-presidente Gabriela Michetti, que é católica e antiaborto, sobre a questão. Rodeada de mulheres defensoras da aborto, ela afirmou que não via problema em que se começasse uma discussão parlamentar.
"Não tinha ideia do que viria depois, mas achei positivo o posicionamento dos dois [Macri e Michetti], pois acabaram lançando um debate que levar a uma definição que vai contra seus princípios. Mas isso é democracia, é saudável para o país", diz Piñeiro à reportagem.
Mãe de três filhos, Piñeiro, 58, crê que a proposta "pode até perder por poucos votos, mas já conseguimos um avanço que não terá volta."
"Em vários países foi assim, no próprio Uruguai houve derrotas parlamentares a princípio, mas uma vez que o assunto se transforma em pauta da sociedade, pode demorar mais um ou dois anos, que acabará passando", disse.
Piñeiro diz que se impressiona com a quantidade de mulheres jovens nas marchas. "Elas de fato fazem a diferença, porque são as mulheres do futuro e que querem decidir por si mesmas."
Os que são contra o projeto alegam que a lei que permite abortar quem é vítima de estupro é suficiente. "Mas eles defendem um paradoxo. Se garantem que a vida começa na concepção e que os fetos têm direitos, por que permitem que o feto gerado de um estupro seja abortado?", defende Piñeiro.
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