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Um século de Clarice

 

 

Raul Tartarotti* 

Essa semana celebramos com apreço, 100 anos de nascimento de Clarice Lispector. Mesmo que essa história de monstro sagrado a deixava infeliz, ela ainda faz parte de um contingente de leitores, saudosos de suas letras, e lembram uma senhora centenária, que continua encantando nossos olhos através do livro.

De uma linguagem suave e metafórica, Clarice nos traz sons que a caracterizaram como a “poeta”, do conto vibrante. A caneta aveludada, sempre cultivou a prosa, cuja acentuada forma poética, deixou desenhada em “Água Viva”, escrita em 1973.
“Que música belíssima ouço no profundo de mim. É feita de traços geométricos se entrecruzando no ar. É música de câmara. Música de câmara é sem melodia. É modo de expressar o silêncio”.

Nem sempre nos deparamos com uma octogenária e viúva, com desejo sexual latente e intenso, mas Clarice, conseguiu brilhar nesse texto, em “Ruído de Passos”, publicado em 1996, com direito a cena de uma idosa nua, conduzida pela atriz francesa Rene Gumiel.
Retratos da solidão, vê-se com frequência nas telas, ardidas pelo personagem despido de emoção, vida acinzentada, e brilho opaco.
Clarice fez dessa solidão um filme (“O livro dos prazeres” – 1969), cuja personagem, distante das relações humanas, nos mostra através de seu isolamento, uma hipótese de ter sido sua filha.
Lispector em latim é lis no peito, algo como flor de lis. Ela que tem no peito a letra do papel, nos trouxe a graça de proporcionar prazer ao ler suas páginas.

No encantamento de seu texto, Clarice se eterniza ao pulsar, de tempos em tempos, a emoção e surpresa em cada capítulo. O clássico se torna assim, porque tira uma lágrima do olho, e traz o apreço de um sentimento de prazer, através da palavra.
Ela vivia dentro de suas obras, se expunha nos personagens, para transpor dores e angustias. O texto por vezes fazia o efeito medicinal desejado, por outras, trazia mais dúvidas, em até no porque respirar, indo ao “limiar do silêncio da letra” (tese – Dra. Maria Homem).

O diálogo invisível, com manifestação da epifania, nos presenteia traços da linha pontuada com doces textos, num olhar ainda ucraniano, mas com tempero brasileiro. O personagem de Clarisse, descerra outro nível da realidade, num rompante de transbordamento de emoção.
Ela publicou “Perto do coração selvagem” em 1943, seu primeiro livro aos 23 anos, e em 1995 escreveu “Clarice, uma vida que se conta”. Foram 28 livros escritos para 15 idiomas.
“Todos os contos”, obra lançada em 2015 por seu biógrafo Benjamin Moser, reuniu 85 contos da escritora.
“Sei agora qualquer coisa sobre os que procuram sentir, para se saberem vivos. Caminhei também nessa viagem perigosa, tão pobre, para nossa terrível ansiedade”.

E a cereja do bolo, “A hora da Estrela”, publicada em 1977.
“Sei de muita coisa que não vi. E vós também. Não se pode dar uma prova da existência do que é mais verdadeiro, o jeito é acreditar. Acreditar chorando”.

Difícil escolher um desses pra colocar no colo, e adentrar no universo saboroso dos contos e poemas, de uma escritora brasileira, profundamente imbuída de metáforas atraentes e musicais. 

*Raul Tartarotti é escritor e engenheiro biomédico.

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