Não existe experiência contada, existe experiência vivida. Se isso se confirma, porque reclamamos tanto do inesperado? Porque tendemos a desistir por pouco? Usando uma expressão do imperador romano Marco Aurélio, “o fogo vive do obstáculo”, então a materialidade da existência se comprova pelo relevo.
A sala estava cheia, início das aulas do cursinho preparatório para o vestibular e ela chegou atrasada mais sua irmã e prima juntas. Seu sorriso largo e espontâneo me hipnotizou. Quem é essa moça?
Não foi fácil, mas depois de algum tempo consegui mostrar para ela que eu era um cara legal apesar dos óculos (eu não era assim...).
Muitas coisas aconteceram, dificuldades de toda ordem nos rondaram, marolinhas e tsunamis, e aqui estamos prestes a completar 30 anos de casados e dois filhos melhores que nós.
Num evento público tive a oportunidade de agradecê-la por todo apoio que sempre me deu. Quando sentei a mesa ela perguntou: “no que foi que te ajudei?” Então respondi: “Você nunca quis matar meus sonhos”.
Vivemos um com o outro e não um para o outro, e de alguma forma cada um continua sendo do jeito que sempre foi, e isso nos é suficiente, mas até hoje ela se atrasa.
No chacoalhar dos anos chegamos até aqui, mais parecidos e ainda muito diferentes.
Simplesmente Miriam e Fernando, ou Fernando e Miriam, tanto faz.
Com todo esse vento causando, fico pensando se faz diferença ser de esquerda ou direita.
É possível que estejamos tendo a melhor oportunidade de nossas vidas. Os pais que amam seus filhos lhes impõe limites para educa-los. "O mundo não é seu e você não pode fazer com ele o que quiser". A pandemia pode ser o limite corretivo que estamos precisando. Digo aqui que a mãe natureza está se impondo como força educadora para nos dar outras oportunidades.
Impossível passar por este momento e não observar como a humanidade está enlouquecida. É tanta coisa acontecendo que beira a irracionalidade, parece que a pandemia despertou um gigante adormecido. Terrível este gigante.
Paciência e tolerância a muito se foram; as opiniões sobrepõe as relações; se não comungar da mesma ideologia está contra mim; a negação da ciência; a manipulação dos fatos conforme interesses particulares. Que fase!
Academias, tratamentos de beleza e remédios que prolongam a vida são equívocos sistemáticos de uma sociedade que quer se exibir. Não estou dizendo que não são importantes, muito pelo contrário. A questão aqui é o propósito para que servem, que é se exibir. Ser mais belo, mais forte e mais interessante que o outro. De corpo, claro.
E da mente, quem cuida, quem trata, quem exercita? Qual a atividade regular para mantê-la em boas condições?
Claro, os ansiolíticos, as drogas e todo tipo de dependência. Estes são os “exercícios” praticados. Talvez por isso os ataques, as depressões e os suicídios.
Sociedade doente. É só um palpite.
Em 2007 resolvi com meu irmão fazer Porto Alegre(RS) a Balneário Camboriú(SC) de bicicleta. O Ricardo sempre fez muita atividade física, mas poucas relacionadas a “magrela”. Oito anos mais velho que eu, sua disposição sempre foi de dar inveja, mas havia dúvidas sobre sua resistência para longas distâncias.
Decidimos ir de avião até Porto Alegre. Na época o uso da bicicleta como lazer e esporte estava no início, nada comparado com o que é hoje, e havia muito desconhecimento a respeito. Com alguma dificuldade conseguimos embarcar nossos equipamentos no avião, não sem antes retirar todo o ar dos pneus ,que é necessário para não estourar quando em grandes altitudes por conta da pressão atmosférica.
Quando desembarcamos no destino retiramos nossas bagagens e saímos caminhando pelo aeroporto, arrastando as bicicletas com os pneus vazios. Nisso veio uma guarnição da polícia aeroportuária e nos expulsou do saguão sob a alegação de que ali não era lugar de bicicleta. De nada adiantou argumentar que estávamos em trânsito, eles simplesmente não nos ouviram e nos “enxotaram” de lá.
Refeitos do susto inicial, arrumamos os equipamentos e iniciamos a viagem. Para minha surpresa não faltou fôlego e disposição para o Ricardo e a viagem transcorreu normalmente nos dias seguintes.
No terceiro dia de viagem próximo a Laguna(SC) acabei me distanciando um pouco dele, numa subida longa mantive o ritmo mais forte e depois veio a descida embalada pelo belo visual da lagoa do Imarui e do mar. Que sensação extraordinária! Nisso passou um carro e buzinou, e logo em seguida um segundo que também buzinou, então cumprimentei satisfeito com o acolhimento das pessoas. Mas veio o terceiro que também buzinou, só que este o caroneiro colocou a cabeça para fora e gritou: “ei, o teu parceiro se acidentou lá traz!”
Fiquei apavorado. Parei a bicicleta num instante e retornei o caminho acima apressadamente. Quando chego no topo avisto mais em baixo um caminhão parado, a bicicleta caída e o motorista próximo do meu irmão, os dois em pé. Me senti um pouco melhor.
Me aproximei deles e vi o braço direito do meu irmão todo desencaixado, formando um “S” entre ombro e punho. Horrível! Então ele pôs a mão esquerda no cotovelo direito e num movimento brusco, num estalo e num grito profundo de dor colocou tudo de volta no lugar. Foi incrível.
O que havia acontecido ali é que o local era uma subida desprovida de acostamento, servindo este de terceira pista. No retorno da ultrapassagem que o caminhoneiro fez sobre o Ricardo ele errou a distância, e a ponta da carroceria bateu no guidão, derrubando meu irmão no mesmo instante. Por sorte não caiu por baixo do rodado.
Bom, seguimos até Laguna onde era previsto nossa pernoite. Após a constatação final de que estava tudo bem com ele, a ingestão de alguns analgésicos permitiu que aproveitássemos o carnaval de rua até de madrugada, afinal não seria um “tombinho” qualquer que iria nos impedir de aproveitar a magia do local em seu melhor momento.
Me parece que o que é comum a todos nós é a certeza da finitude humana, esta luz que nos persegue desde quando nascemos (ou de quando fomos fecundados, o que acham?).
Na esteira das convicções humanas são poucas as pessoas que se declaram totalmente ateias, que não acreditam em nenhuma forma de Divindade, então dá para acreditar que a maioria confia na existência de um Ser superior, e a este expressa sua reverência em distintos graus de otimismo e fé. Inclusive a quantidade de vezes que Seu nome é mencionado no linguajar diário expõe o quanto Ele é acreditado. “Graças a Deus...se Deus quiser...vá com Deus...Deus te abençoe...foi Deus que deu...”
Mas crença é atitude, não teoria. Falar e não praticar é o mesmo que não acreditar. Crença é pra dentro, não pra fora.
Então vamos lá, nós vamos morrer, certo? De COVID-19, de câncer, de acidente...de idade ou de qualquer outra coisa vamos morrer. Não somos deste mundo e estamos aqui apenas de passagem, e a única coisa que nos diferencia é nossa autonomia, o quanto nosso tanque de combustível consegue rodar. Uns rodam pouco, outros rodam mais e outros rodam muito. No final o combustível acaba e o motor apaga, não tem jeito. “Caxão pro Bylli”. E é pra todos.
Mas se é assim, por que tanta paranoia e desespero? Conhecemos os fatos e o fim e temos as ferramentas necessárias para lidar. Do que mais precisamos para levar uma vida plena e equilibrada?
Ah sim, alguém já falou, está faltando mais espírito e menos matéria ou mais ser e menos ter. Também pode ser mais fraternidade e menos egoísmo ou mais amor e menos ódio. Por fim falta aprender mais, aprendizes imperfeitos que somos.
Formado em Ciências Econômicas, empresário e militante das causas coletivas, acredita no associativismo e cooperativismo como ferramentas para a construção de uma sociedade mais justa. Busca incessantemente evoluir como ser humano e social.
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Não existe experiência contada, existe experiência vivida. Se isso se confirma, porque reclamamos tanto do inesperado? Porque tendemos a desistir por pouco? Usando uma expressão do imperador romano Marco Aurélio, “o fogo vive do obstáculo”, então a materialidade da existência se comprova pelo relevo.
A sala estava cheia, início das aulas do cursinho preparatório para o vestibular e ela chegou atrasada mais sua irmã e prima juntas. Seu sorriso largo e espontâneo me hipnotizou. Quem é essa moça?
Não foi fácil, mas depois de algum tempo consegui mostrar para ela que eu era um cara legal apesar dos óculos (eu não era assim...).
Muitas coisas aconteceram, dificuldades de toda ordem nos rondaram, marolinhas e tsunamis, e aqui estamos prestes a completar 30 anos de casados e dois filhos melhores que nós.
Num evento público tive a oportunidade de agradecê-la por todo apoio que sempre me deu. Quando sentei a mesa ela perguntou: “no que foi que te ajudei?” Então respondi: “Você nunca quis matar meus sonhos”.
Vivemos um com o outro e não um para o outro, e de alguma forma cada um continua sendo do jeito que sempre foi, e isso nos é suficiente, mas até hoje ela se atrasa.
No chacoalhar dos anos chegamos até aqui, mais parecidos e ainda muito diferentes.
Simplesmente Miriam e Fernando, ou Fernando e Miriam, tanto faz.
Com todo esse vento causando, fico pensando se faz diferença ser de esquerda ou direita.
É possível que estejamos tendo a melhor oportunidade de nossas vidas. Os pais que amam seus filhos lhes impõe limites para educa-los. "O mundo não é seu e você não pode fazer com ele o que quiser". A pandemia pode ser o limite corretivo que estamos precisando. Digo aqui que a mãe natureza está se impondo como força educadora para nos dar outras oportunidades.
Impossível passar por este momento e não observar como a humanidade está enlouquecida. É tanta coisa acontecendo que beira a irracionalidade, parece que a pandemia despertou um gigante adormecido. Terrível este gigante.
Paciência e tolerância a muito se foram; as opiniões sobrepõe as relações; se não comungar da mesma ideologia está contra mim; a negação da ciência; a manipulação dos fatos conforme interesses particulares. Que fase!
Academias, tratamentos de beleza e remédios que prolongam a vida são equívocos sistemáticos de uma sociedade que quer se exibir. Não estou dizendo que não são importantes, muito pelo contrário. A questão aqui é o propósito para que servem, que é se exibir. Ser mais belo, mais forte e mais interessante que o outro. De corpo, claro.
E da mente, quem cuida, quem trata, quem exercita? Qual a atividade regular para mantê-la em boas condições?
Claro, os ansiolíticos, as drogas e todo tipo de dependência. Estes são os “exercícios” praticados. Talvez por isso os ataques, as depressões e os suicídios.
Sociedade doente. É só um palpite.
Em 2007 resolvi com meu irmão fazer Porto Alegre(RS) a Balneário Camboriú(SC) de bicicleta. O Ricardo sempre fez muita atividade física, mas poucas relacionadas a “magrela”. Oito anos mais velho que eu, sua disposição sempre foi de dar inveja, mas havia dúvidas sobre sua resistência para longas distâncias.
Decidimos ir de avião até Porto Alegre. Na época o uso da bicicleta como lazer e esporte estava no início, nada comparado com o que é hoje, e havia muito desconhecimento a respeito. Com alguma dificuldade conseguimos embarcar nossos equipamentos no avião, não sem antes retirar todo o ar dos pneus ,que é necessário para não estourar quando em grandes altitudes por conta da pressão atmosférica.
Quando desembarcamos no destino retiramos nossas bagagens e saímos caminhando pelo aeroporto, arrastando as bicicletas com os pneus vazios. Nisso veio uma guarnição da polícia aeroportuária e nos expulsou do saguão sob a alegação de que ali não era lugar de bicicleta. De nada adiantou argumentar que estávamos em trânsito, eles simplesmente não nos ouviram e nos “enxotaram” de lá.
Refeitos do susto inicial, arrumamos os equipamentos e iniciamos a viagem. Para minha surpresa não faltou fôlego e disposição para o Ricardo e a viagem transcorreu normalmente nos dias seguintes.
No terceiro dia de viagem próximo a Laguna(SC) acabei me distanciando um pouco dele, numa subida longa mantive o ritmo mais forte e depois veio a descida embalada pelo belo visual da lagoa do Imarui e do mar. Que sensação extraordinária! Nisso passou um carro e buzinou, e logo em seguida um segundo que também buzinou, então cumprimentei satisfeito com o acolhimento das pessoas. Mas veio o terceiro que também buzinou, só que este o caroneiro colocou a cabeça para fora e gritou: “ei, o teu parceiro se acidentou lá traz!”
Fiquei apavorado. Parei a bicicleta num instante e retornei o caminho acima apressadamente. Quando chego no topo avisto mais em baixo um caminhão parado, a bicicleta caída e o motorista próximo do meu irmão, os dois em pé. Me senti um pouco melhor.
Me aproximei deles e vi o braço direito do meu irmão todo desencaixado, formando um “S” entre ombro e punho. Horrível! Então ele pôs a mão esquerda no cotovelo direito e num movimento brusco, num estalo e num grito profundo de dor colocou tudo de volta no lugar. Foi incrível.
O que havia acontecido ali é que o local era uma subida desprovida de acostamento, servindo este de terceira pista. No retorno da ultrapassagem que o caminhoneiro fez sobre o Ricardo ele errou a distância, e a ponta da carroceria bateu no guidão, derrubando meu irmão no mesmo instante. Por sorte não caiu por baixo do rodado.
Bom, seguimos até Laguna onde era previsto nossa pernoite. Após a constatação final de que estava tudo bem com ele, a ingestão de alguns analgésicos permitiu que aproveitássemos o carnaval de rua até de madrugada, afinal não seria um “tombinho” qualquer que iria nos impedir de aproveitar a magia do local em seu melhor momento.
Me parece que o que é comum a todos nós é a certeza da finitude humana, esta luz que nos persegue desde quando nascemos (ou de quando fomos fecundados, o que acham?).
Na esteira das convicções humanas são poucas as pessoas que se declaram totalmente ateias, que não acreditam em nenhuma forma de Divindade, então dá para acreditar que a maioria confia na existência de um Ser superior, e a este expressa sua reverência em distintos graus de otimismo e fé. Inclusive a quantidade de vezes que Seu nome é mencionado no linguajar diário expõe o quanto Ele é acreditado. “Graças a Deus...se Deus quiser...vá com Deus...Deus te abençoe...foi Deus que deu...”
Mas crença é atitude, não teoria. Falar e não praticar é o mesmo que não acreditar. Crença é pra dentro, não pra fora.
Então vamos lá, nós vamos morrer, certo? De COVID-19, de câncer, de acidente...de idade ou de qualquer outra coisa vamos morrer. Não somos deste mundo e estamos aqui apenas de passagem, e a única coisa que nos diferencia é nossa autonomia, o quanto nosso tanque de combustível consegue rodar. Uns rodam pouco, outros rodam mais e outros rodam muito. No final o combustível acaba e o motor apaga, não tem jeito. “Caxão pro Bylli”. E é pra todos.
Mas se é assim, por que tanta paranoia e desespero? Conhecemos os fatos e o fim e temos as ferramentas necessárias para lidar. Do que mais precisamos para levar uma vida plena e equilibrada?
Ah sim, alguém já falou, está faltando mais espírito e menos matéria ou mais ser e menos ter. Também pode ser mais fraternidade e menos egoísmo ou mais amor e menos ódio. Por fim falta aprender mais, aprendizes imperfeitos que somos.
Formado em Ciências Econômicas, empresário e militante das causas coletivas, acredita no associativismo e cooperativismo como ferramentas para a construção de uma sociedade mais justa. Busca incessantemente evoluir como ser humano e social.