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Balneário Camboriú

1 ano de pandemia – Como chegamos a este ponto e o depoimento de quem escapou

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18 de março de 2020 foi uma quarta-feira, data em que a pandemia de Covid-19 [até então chamada de Coronavírus] começou oficialmente em Balneário Camboriú, com a confirmação dos dois primeiros casos da doença na cidade – um homem de 42 anos, que havia estado em São Paulo, e uma mulher de 52 anos, que esteve na Itália. Apesar de só terem sido anunciados há exatamente um ano, estes dois casos integravam os oito primeiros do Estado, que vinham sendo investigados desde 12 de março de 2020.

Por Waldemar Cezar Neto, Marlise Schneider Cezar e Renata Rutes

Um ano depois Balneário Camboriú acumula 18.337 casos, sendo que 17.178 pessoas (93,6%) estão recuperadas e receberam alta da Vigilância Epidemiológica, e 232 mortes; Santa Catarina acumula 746.620 casos, sendo 702.046 recuperados e 9.121 óbitos; e no Brasil os números chegam a 11.603.535 de casos, 10.261.154 recuperados e 282.127 mortes (dados de quarta-feira, 17).

No início, Balneário foi considerada referência pelas ações de prevenção à disseminação do vírus, como lockdown imediato, paralisação das aulas presenciais e até mesmo as barreiras sanitárias que ‘fecharam’ a cidade apenas para moradores da cidade. 

Porém, hoje, a situação é bem diferente: o número de casos agravou consideravelmente e a cidade tem apenas quatro leitos de UTI – os ‘não pactuados’ pelo governo do Estado. Muito se deve à insistência do público em se aglomerar nas praias, bares e festas clandestinas que nunca deixaram de acontecer no município, até mesmo com os ‘lockdowns de finais de semana’ que vêm acontecendo recentemente. 

Nesta reportagem especial, o Página 3 ouviu médicos, funcionários públicos e moradores da cidade que tiveram Covid e refletem sobre esse primeiro ano de pandemia – que deve continuar até 2022.

Autoridades falam sobre um ano de pandemia: afinal, o que faltou para chegarmos ao ponto em que chegamos?

“Nosso objetivo é preservar vidas e estamos fazendo isso com todo o empenho”

Leila Crócomo, secretária municipal da Saúde

(credito – Divulgação/PMBC)

“Balneário Camboriú foi pioneira nas tomadas de decisões, abriu o Centro de Atendimento e Tratamento ao Covid, anexo ao Ruth Cardoso, inicialmente com cinco leitos, hoje temos 34 leitos de UTI, 26 leitos de clínica médica, estamos realmente investindo nessa estrutura para que os pacientes tanto moradores de Balneário Camboriú como da região, sejam atendidos da melhor forma, muitas equipes de trabalho na luta, enfrentando e agora, um ano depois, estas equipes estão cansadas, esgotadas, porém sabem das suas responsabilidades com o enfrentamento e estão fazendo isso com coragem e nós só temos a agradecer a todos eles. A Secretaria neste 1 ano, com muito estudo e planejamento e principalmente fazendo as ações, temos feito orientações, fiscalizações, até mesmo fechamento de estabelecimentos que não cumprem decretos e medidas preventivas, utilizamos não só equipes de saúde, mas de outras secretarias. Temos feito um trabalho árduo de enfrentamento e de prevenção. Sempre tentando assegurar que a população fique segura, porém a população também precisa ajudar nesse processo, é junto, são ações em conjunto com a sociedade. E não só Balneário Camboriú fazer ações, como todos moradores da região. Então quando se toma uma decisão aqui em Balneário, a gente quer que Camboriú, Itajaí, todos os municipios da Amfri façam ações conjuntas. Para serem mais efetivas. Tem que deixar claro, queremos que os municípios participem destas decisões e ações. Muito importante lembrar que a população está cansada de ficar em casa, cansada de tantas regras, está relaxando as medidas. Nosso papel hoje, tanto da Secretaria da Saúde como das demais secretarias envolvidas, é de orientar, é de pedir que colaborem, que façam esforço de se manterem em casa, principalmente as pessoas de risco, manterem todos os cuidados, intensificar as medidas de prevenção, uso da máscara, é importante que todos participem, todos são responsáveis pela nossa saúde. Estamos vivendo o pior momento, com vírus ativo, muito mais potente. Mais importante agora neste momento é intensificar todos os cuidados de higiene. Em um ano a gente aprendeu muito, mas temos ainda muito a aprender e principalmente essa conscientização coletiva, é um trabalho, um desafio diário, que não pode parar, especialmente agora, com essa nova Cepa circulando atingindo pessoas mais jovens e levando à morte. Quero dizer que nosso objetivo é preservar vidas e a gente está fazendo isso com todo nosso empenho”

“Tenham respeito pelos mortos e pelos que ainda vão morrer”

Pedro Salomão Dias, coordenador da UTI e Clínica Médica de Covid-19 e coordenador do Centro Municipal de Combate ao Covid de Balneário Camboriú

Dr. Pedro foi o primeiro médico vacinado em Balneário (foto – Divulgação/PMBC)

“Em 15 de março/2020 o Hospital do Coração recebia o primeiro caso suspeito. Naquele dia a ficha começou a cair de que finalmente havia chegado nossa vez. Até hoje ainda não podemos afirmar com segurança o que ainda está por vir e nem por quanto tempo. No início, não tínhamos noção do potencial destruidor, tanto no número de vidas que perderíamos, no impacto nos serviços de saúde e na economia. Imaginava um tempo menor, principalmente porque acreditava na união das pessoas. Logo ficou claro que não tínhamos o mínimo senso de fraternidade e estimulados por fake news e ações bizarras do governo federal nos afundamos nesse mar de lama que estamos hoje e que ainda pode piorar bastante. Chegar na UTI e ver uma unidade inteira de 30 leitos lotada de pacientes com a mesma doença, a imensa maioria entubados. O clima é tenso, os colaboradores cansados, tristes, tentando manter a cabeça em pé para seguir adiante. O uso constante dos equipamentos de proteção, a privação de água e do uso do banheiro, tudo isso é muito cansativo. Todo dia perdemos pacientes e nas últimas semanas temos tido pacientes cada vez mais jovens, o que impacta ainda mais na moral da equipe. Não ter contato com as famílias, ter que informar por telefone tantas notícias ruins todos os dias, tudo isso impacta e muito no psicológico dos médicos. Não somos treinados para vermos tantas pessoas morrerem. Tivemos um aumento de 50% nas internações de pacientes nas faixas etárias de 18-44 e de 45-64 anos nessas duas primeiras semanas de março. Em outros serviços da região também. Hoje, 70% dos pacientes da UTI têm menos de 60 anos de idade, uma mudança importante no nosso perfil. Ver tantas pessoas ignorando a doença, aglomerando, sem usar máscara é o mais triste. Antes eu justificava como desconhecimento, ignorância. Hoje considero uma questão de falta de caráter. Todos têm acesso às informações. Centenas de pessoas estão morrendo diariamente, nosso estado tem mais de 400 pessoas na fila por leito. Muitos não conseguirão e morrerão na fila. Todos nós estamos cansados. As equipes assistenciais estão exaustas depois de tanto tempo de dedicação e indignadas pelas pessoas seguirem suas vidas como se nada estivesse acontecendo. A vacinação em massa e rápida é nossa única chance de sairmos dessa situação. Ainda tenho esperanças de que o país consiga vacinar metade da população até o final deste ano. O Brasil sabe vacinar, o problema é que durante muitos meses o governo negou a vacinação e fez apostas infundadas em medicamentos inúteis e na campanha anti-vacinação e que acabou atrasando a aquisição de vacinas e ficamos no final da fila do mundo. Todos nós estamos cansados. Ninguém quer mais essa pandemia, ninguém quer ver mais as mortes nos noticiários, nem as ameaças de lockdown. Mas não adianta, não tem como escapar. Se a Covid-19 ainda não te atingiu, em breve vai. Um amigo, um parente distante, ou até mesmo alguém próximo. Já passou do momento de nos unirmos contra isso e respeitar regras básicas e simples. O vírus não respeita a nossa vontade. Vivemos a maior crise sanitária do país e alguns pensam em festas, em aglomerar, em comemorar. Para esses, fica o meu desprezo, pois não os considero cidadãos. Tenham respeito pelos mortos, pelos que vão morrer e pelas equipes que mesmo despedaçadas seguem dando seu melhor pelas pessoas que estão batalhando pela vida dentro das UTIs e, hoje, nas salas de emergência, nos corredores dos hospitais e UPAs, sufocando na espera de um leito. Sejamos humanos e tenhamos empatia, ou seguiremos perdendo mais vidas e oportunidades econômicas para nos recuperarmos desse triste capítulo da história”.

“A perspectiva de sair desse cenário atual é boa, se tiver vacina”

Umberto João d´Ávila, presidente da Unimed Litoral

Umberto (foto – Divulgação/Unimed Litoral)

“O que faltou para chegarmos ao ponto em que chegamos? Uma liderança na área da saúde que coordenasse o Brasil e Estado, que realmente tivesse respaldo, tanto da classe dos governos como dos cientistas, que juntasse as duas partes, não teve isso, não aconteceu isso. Por isso houve tanta divergência das ações e tomadas de decisões para atender a população. Por isso esse rolo todo aí. Como sair desse momento? É que a vacina, se houver a chegada de outros países ao Brasil, mais a produção local, conseguir vacinar a maioria das pessoas acima de 40 anos nos próximos quatro meses, teríamos praticamente o término da pandemia, devido ao grande número de pessoas imunizadas, tanto pela doença como pela vacina. Então a perspectiva de sair desse cenário atual é boa, se tiver vacina”. 

“A longo prazo o trabalho se torna muito cansativo”

João Alberto Martini Peruchi, médico intensivista da UTI do Centro de Combate ao Covid-19 de Balneário Camboriú

“No início, como todos, também não sabia as proporções que a pandemia iria tomar e creio que até hoje não sabemos, já que sempre que começou uma nova onda a expectativa, pelo menos a minha, era que seria menor que a anterior. Infelizmente, pelo menos em BC, cada onda veio maior que a anterior. Cada paciente com Covid-19 gera mais ou menos 1,5x o trabalho para a equipe (médicos, enfermeiros, técnico de enfermagem, fisioterapeutas…) que a média dos pacientes não-covid que necessitam de UTI, então a longo prazo o trabalho se torna muito cansativo. Também, a doença grave apresenta uma mortalidade muito grande, maior da que estávamos acostumados na UTI, o que gera muita frustração e estresse psicológico. Quanto à gravidade, eu não sei se o vírus vem ficando mais letal ou se temos proporcionalmente mais pacientes pegando a doença e logo falecendo. O que eu vejo é que as equipes estão bastante cansadas e isso deve comprometer bastante a qualidade dos atendimentos. Parece haver mais pacientes jovens, creio que muitos durante os feriados não se cuidaram. Mesmo assim, houve também aumento de casos em idosos e por isso agora estamos sem leitos de UTI para todos em várias regiões do país. Após tanto tempo de doença e informações é desrespeitoso ver que as pessoas ainda insistem em aglomerar e não se cuidar. Todos entendemos que as pessoas precisam trabalhar, mas evitar aglomerações, usar máscara, álcool gel são coisas que todos podemos fazer. Acredito que provavelmente se as pessoas tivessem se cuidado mais a situação estaria melhor. Torço para que as vacinas funcionem logo, pois é a medida mais eficaz que temos para controle dos mais diversos vírus até hoje”.

“Faltou políticas públicas e o boleto da conta chegou”

Isaac Pires, presidente do Sindicato de Hotéis, Restaurantes, Bares e Similares de Balneário Camboriú (Sindisol)

Isaac Pires (Foto – Arquivo Pessoal)

“A pandemia da Covid-19 nos acomete desde final de março de 2020, ou seja, estamos completando 1 ano de pandemia, e não tivemos efetivas medidas em relação ao aumento dos leitos de retaguarda, UTI’s e aparatos para as mesmas, vendo que em Santa Catarina, até o atual momento, não temos um hospital de campanha sequer para segurança no aumento da curva, também tivemos medidas restritivas realizadas em momentos ao qual a curva da Covid estava em baixa, e erramos na timeline. O resultado disto é que a segunda onda veio, muitos municípios haviam descredenciado leitos da COVID, e o caos se instalou, a ponto de ter que transformar Pronto Socorros em semi-UTI, UPA’s em UTI, sem logística, sem profissionais com experiência em emergência, tendo que manejar pacientes para outro estado. Ainda, a vacina não foi distribuída de forma efetiva no Estado, sendo que há pouco foi finalizada a segunda dose dos profissionais da saúde da linha de frente, imagina para os demais grupos de risco, ou seja, a imunização está distante ainda da população em geral.

Faltou políticas públicas para elastecer leitos, vacinas, respiradores, e o boleto da conta chegou, primeiramente aos pacientes que estão morrendo, em segundo aos profissionais da saúde que estão adoecendo e tendo que escolher quem vive ou morre e terceiro, aos empresários que estão falindo por conta de medidas restritivas de longo prazo, sem uma resolução.

Talvez se estivéssemos deixado de lado as brigas entre o Governo Federal e os demais entes, com certeza, o cenário seria outro. Sobre nossa expectativa? É de preocupação, pois agora, todos os esforços serão envidados para reduzir a curva, e a probabilidade de fechamento e medidas mais restritivas são iminentes, pois, chegou-se no momento de grande escassez de recursos, a ponto de escolher quem vive ou quem morre. Agora poderia sim ter sido o momento do lockdown, e não em abril de 2020, com a curva extremamente baixa.

Enquanto a vacina não chegar de forma efetiva a todos, poderemos ter novas e novas CEPAS, que farão todo o trabalho cair por terra, ou seja, poderemos ainda estar discutindo pandemias a longo prazo”.

“Politizaram muito a pandemia”

Osmar de Souza Nunes Filho, o Mazoca, 69 anos, secretário de Obras de Balneário e empresário da cidade, foi um dos primeiros casos de Covid da cidade

Mazoca foi um dos primeiros moradores de Balneário a ter Covid (foto Divulgação/CVBC)

“Dia 15 de março/2020 a Secretaria de Obras parou e em 23 de março eu tive febre à noite. Dia 25 fiz exame e no dia 30 positivei. Ainda não sabia a dimensão do perigo e nem possuíamos recursos, como remédios. Eu fui para São Paulo fazer uma pequena cirurgia, mas não sei onde peguei, se foi lá ou no avião. Não tenho a mínima noção. Minha esposa também pegou. A nossa principal preocupação era com o possível comprometimento de nossos pulmões, mas graças a Deus estava tudo bem. Meu vírus foi fraco, eu não tive nenhum problema mais grave. Perdi o olfato, tive moleza no corpo. Como eu estava em casa e ansioso por estar parado, achava que inicialmente poderia ser gripe. Não tinham muitos casos e a doença era nova, mas era Covid. Eu não sofria de tireoide e agora passei a sofrer, tive um pouco de cansaço e dor no braço de um acidente que tive em 1989, mas agora parou. Não tive Covid de novo, tenho me cuidado bastante. Sempre tive a mania de ter álcool próximo e agora mais do que nunca. A gente tem que se cuidar, sinto que as pessoas não têm preocupação. Estão ousadas, fazendo essas festas clandestinas. E é preocupante exatamente por ser uma doença diferente para cada pessoa. Eu não fiquei tão mal, mas você pode ficar. Acredito que a limpeza e o uso de álcool é uma coisa que vai ficar, esse autocuidado, nos estabelecimentos também. Eu não acreditava que ia durar tanto, que chegaria nessa dimensão. Mas fiquei surpreso, porque a vacina veio até muito rápido, normalmente demora mais tempo, mas realmente houve um pouco de falta de consciência. Vejo que ficamos ansiosos, o fechamento inicial deveria estar acontecendo agora. O Mandetta criou ansiedade na população. Politizaram muito a pandemia. As sequelas para a economia são absurdas, o comércio e o turismo foram diretamente afetados. Acredito que esse ano, após a vacina, vamos voltar a ter mais segurança e confiança, e é isso que precisamos. As coisas vão mudar, vai levar tempo para termos segurança em fazer eventos com muitas pessoas, voos, escritórios… mas a vacina vai ajudar a voltar com a cultura da segurança”.

“Chegamos nesse ponto pela gravidade da doença”

Tenente-coronel Daniel Nunes da Silva, Comandante do 12º Batalhão de Polícia Militar (BPM) de Balneário Camboriú

Tenente-coronel Daniel analisa pandemia em Balneário (foto Divulgação/PMSC)

“Eu soube da pandemia através da imprensa. Na época, eu ainda comandava a PM de Imbituba. Os casos ainda estavam na China, depois de espalharam pela Europa, principalmente pela Itália, e depois começaram a vir para a América do Sul, Brasil e logo para SC. No começo, não entendíamos muito bem, mas começamos a tentar descobrir os principais fatores protetores para proteger a nossa tropa, para então conscientizar a população. Foi um trabalho duplo. Adquirimos kits de EPIs, intercalamos as escalas de serviço, distribuímos PMs, porque não sabíamos a capacidade de contaminação e tínhamos medo de que todos se contaminassem. Em julho vim para Balneário e a fase já estava um pouco diferente, com as atividades retornando, e exigindo um trabalho diferente, nos tornando fiscais. Somos responsáveis pela ordem pública e há três pilares: combate ao crime, bem-estar social, e salubridade pública, que engloba pandemias, endemias e grandes calamidades. A PM auxilia os demais órgãos na organização da sociedade, já temos essa função, mas tivemos que evoluir e fortalecer esse serviço de fiscalização, que é um desafio muito grande, ainda mais que a população está mais resistente também. É difícil realizar todos os serviços, mas focamos em seguir trabalhando com excelência. Como é uma doença desconhecida, não passamos por nada sequer semelhante, não sabemos quanto tempo irá durar esse grande desafio. Chegamos nesse ponto pela gravidade da doença, mesmo com cuidados continuam os casos, alguns países que tiveram lockdown tiveram mais casos que o Brasil, e outros que não fizeram tiveram menos. É difícil ter um parâmetro de por qual motivo chegamos nesse patamar, provavelmente no futuro haverá uma visão mais clara. Em Balneário há o Comitê de Crise, trabalhamos de forma integrada com os demais órgãos da segurança e Fiscalização de Posturas e a tropa da PM segue dois verbos: conscientizar e fiscalizar, aplicando sanções se necessário”.

“Eu sou contra o lockdown, mas se tiver que acontecer, então que fechem tudo”

Hélio Dagnoni, presidente do Sindicato do Comércio Varejista e Atacadista de Balneário Camboriú e Camboriú (Sindilojas)

Helio Dagnoni defende que comércios e empresas ligadas ao turismo são seguras (foto – Divulgação/Sindilojas)

“Vejo da seguinte forma: os governos municipal e estadual não se prepararam. Não abriram leitos, não fizeram hospitais de campanha. Viram que o vírus foi mais forte, sofreu mutações, e colocaram restrições para os trabalhadores e empresários. O turismo foi a classe mais afetada, já que as pessoas não saem para passear, não fazem mais excursões. Isso afeta os hotéis, bares, restaurantes e comércios. Balneário é a capital do turismo de SC e nos preocupamos. O comércio é a vitrine, então por que fechar? O que falta é fiscalização, tanto que seguem acontecendo festas clandestinas, teve até casamento. Não há respeito pelo Covid, com superlotação em hospitais, leitos de UTI nunca tivemos. É uma vergonha, defendem saúde, educação e segurança só na teoria. Até a Guarda Municipal somos nós que pagamos. Hospital não tem decente, a educação as públicas não são tão boas. Vejo que houve falta de conscientização das pessoas, mas o comércio, hotéis e restaurantes são os lugares mais seguros, pois cumprimos o distanciamento, há café servido nos quartos [no caso de hotéis e pousadas], lojas e supermercados todos com o devido protocolo, álcool gel, aferição de temperatura, uso de máscara. O Sindilojas foi o primeiro sindicato a comprar mais de mil máscaras, há um ano. Nos preocupamos imediatamente com a pandemia, mas a indústria e a construção civil não pararam. Eu sou contra o lockdown, mas se tiver que acontecer, então que fechem tudo. Sempre procuro ser otimista, vejo que tudo isso deve terminar antes de 2022, mas o Covid está assustando a todos. Todos queremos vacinas e os governantes deveriam ter agido. Peço que as pessoas continuem se cuidando e se preservando até sermos vacinados”.

“Acho sim que faltou uma coordenação na esfera federal, estadual e municipal”

Vilton João dos Santos, presidente da Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL) de Balneário Camboriú

Vilton, presidente da CDL, vê que enfrentamento deveria ter começado no início (foto Divulgação/CDL)

“O que faltou para que não chegássemos foi, primeiramente, acreditar na gravidade da pandemia. Surgiu na China, depois foi para a Europa, mas ainda estava tão longe, e então não nos preocupou. Mas foi chegando, e ainda não se acreditava no potencial destruidor desse vírus. Lembro que em 13 de março, ano passado, falei com o prefeito, e perguntei qual protocolo estava sendo seguido em função dessa situação e eu vi que realmente precisávamos nos mobilizar. Nesse dia eu mobilizei toda a sociedade civil organizada de Balneário em uma reunião na CDL para discutirmos o assunto, e lá estava ele, com a secretária de Saúde da época, para debatermos a criação do protocolo. Foi o ponto de partida de tudo. Mas nesse momento ainda não se tinha um protocolo, as pessoas chegavam infectadas da Europa, de viagens e cruzeiros, e voltavam calmamente para Balneário Camboriú, não cumpriam quarentena, não faziam teste, exame, e começou a contaminação. Eu achava que já teria que ter uma triagem, mas nada foi feito, porque realmente não acreditavam que a situação poderia sair de controle. Não foi feito, e a situação foi aumentando, até que chegou nesse ponto, também por não termos uma expertise, a última pandemia foi em 1918, de nada nos serviu para esse momento atual. Acho sim que faltou uma coordenação na esfera federal, estadual e municipal, mas muito também em função de não se ter conhecimento; penso que o nosso prefeito foi muito mais atuante ainda, bem mais do que o governo do Estado e federal – o federal com o seu negacionismo e o estadual sem coerência ou seguindo estudos. A expectativa para os próximos meses é uma grande incógnita, tudo o que se fala agora é no campo da especulação e achismo. É realmente difícil a gente imaginar com uma precisão maior o que vai acontecer; o que soluciona o problema é a vacinação em massa, inclusive com essa variante do Covid original. Uma vez tendo boa parte da população imunizada e ‘desafogando’ os leitos de UTI, a vida vai voltando ao normal, mas vai voltar quando tiver toda a população vacinada, com novos hábitos incorporados em nossa vida, tanto pessoal quanto profissional. Há cases de sucesso na CDL, exceções, de empresários faturando mais agora do que antes da pandemia, mas a maioria está conseguindo sobreviver. Nós brasileiros temos isso, é algo nato, a capacidade de superação, resiliência. Brigamos, esperneamos, vergamos, mas não quebramos, vendo as possibilidades que temos para o nosso futuro. Ressignificar, reinventar, reconstruir”.

“A doença continuará circulando rápida e fortemente”

Rosan da Rocha, Promotor de Justiça aposentado, atuou durante anos à frente da 6º Promotoria de Balneário e foi Secretário da Pessoa Idosa

Dr. Rosan da Rocha foto Arquivo Pessoal)

“O Brasil se encontra na pior situação de infectados e mortes por Coronavírus no mundo. Isso se deve, preponderantemente, pelas falas e atitudes do Presidente da República que, de maneira irresponsável nunca deu importância para a gravidade da pandemia, preocupado única e exclusivamente em negar sua culpa e incompetência, visando sua reeleição. Contudo, governos estaduais e municipais poderiam ter agido de maneira diferente. Deveriam ter a coragem de enfrentar o governo federal, cobrando o cumprimento do que a ciência determina e tomando medidas eficazes em seu Estado e Município para evitar o colapso na saúde e tamanha mortandade. Mas não, por covardia e desumanidade, resolveram realizar medidas paliativas, fazer marketing de ações ineficazes, seguirem conselhos de políticos, pessoas e grupos que só pensam no seu próprio bolso, pois acham que assim garantirão votos e dinheiro para a próxima campanha eleitoral. Mas ainda não chegamos no fim do poço. Provavelmente até dezembro ainda nem todos terão recebido a vacina e o país ultrapassará a marca de 500 mil mortes, das quais mais da metade poderiam ter sido evitadas. A economia continuará despencando justamente por não terem tomado as medidas certas no tempo oportuno. A doença continuará circulando rápida e fortemente, agora entre pessoas jovens, fazendo com que o país continue nesse desespero entre a vida e a morte de pessoas e da economia, pois gente morta e doentes não trabalham. E o povo com medo, não sai, não gasta, não circula o dinheiro. Infelizmente, como já era esperado, pela cultura do nosso povo, grande parte sempre seguiu seus líderes, seja por obrigação, simpatia ou por ideias quase sempre mentirosas.  Votam e defendem um político como um fanático torcedor de futebol. Tendo na Presidência da República um sujeito sem competência, sem empatia, ignorante, estúpido e mentiroso não poderíamos esperar muito da maioria da população que aguarda sempre inerte por um ídolo, falastrão, salvador da Pátria, para ocupar um cargo que deveria ser de um homem de bem, equilibrado, inteligente e competente”.

Ninguém esperava que ia durar tanto tempo”

Flávio Aparecido Sartori, coordenador do SAMU de Balneário Camboriú

(Flávio coordena o SAMU de Balneário(foto Arquivo pessoal)

“Fiquei sabendo da pandemia logo após o Carnaval do ano passado, em fevereiro. Eu trabalhava no posto de saúde do Bairro dos Municípios, como enfermeiro concursado, tenho 24 anos de profissão. Eu fiquei muito doente 15 dias depois do Carnaval, mas tratei como gripe, uma garganta inflamada. Eu acredito que ali já existia o vírus, o foco de início da pandemia, e talvez eu tenha sido um dos primeiros casos de Balneário ‘não oficiais’ [em 24 de outubro Flávio pegou Covid novamente, dessa vez confirmado com o teste]. Passado esse primeiro momento, assumi a coordenação do SAMU. Foi tudo novo, esse cargo, a pandemia. Se você parar pra pensar, até hoje não existe um protocolo. Acredito muito em Deus e penso que Jesus deu a sabedoria ao ser humano, não nos fez com máscara, mas deu a inteligência para o homem desenvolver ela, criar a vacina e medicamentos. Todos tivemos que nos adequar, no SAMU mudamos a rotina; a cada atendimento a desinfecção da ambulância leva uma hora pelo menos, e outros casos como diabetes, hipertensão, infarto, convulsão não podem ser atendidos porque estamos com essa viatura a menos, sendo que muitas vezes são pessoas (com suspeita ou Covid) que poderiam ir para o hospital por outros meios, que não seriam emergenciais. Em outubro, acreditávamos que o Centro Covid ia fechar, estavam sobrando leitos e voltou. Ninguém esperava que ia durar tanto tempo. Os seres humanos têm paciência curta, e há muitos que já estão de saco cheio da pandemia, mas isso não vai fazer passar. Temos ainda o receio da reinfecção, há casos de trabalhadores da saúde que já se reinfectaram. Não é culpa só da população a atual situação, muitos têm se cuidado, mas temos que continuar cuidando dos grupos de risco, como idosos e com sobrepeso. Os próximos seis meses precisam ser de vigia, temos que nos cuidar, e será a ‘visão’ para saber se precisaremos de novos leitos ou não. Não dá para culpar só uma pessoa, é uma doença que está no mundo todo”.

Pessoas que foram infectadas falam sobre a experiência e a recuperação.

“Achava que até o fim de 2020 tudo estaria certo, e agora está bem pior”

Luiz Alberto Damásio, 56 anos, motorista da Secretaria de Inclusão Social e servidor público efetivo

(credito – Arquivo Pessoal)

“Fiquei afastado em março de 2020, por dois meses e meio, porque tenho arritmia cardíaca. Precisei de atendimento psicológico e psiquiátrico (ainda segue), porque fiquei muito preocupado. A junta médica me realocou porque eu sentia que precisava voltar a trabalhar, e voltei em maio. Eu tive Covid em junho, no auge da 1ª onda, porque eu trabalhava diretamente com a secretária Christina Barichello. No mesmo dia em que ela se afastou eu tive sintomas de gripe e positivei. Tive calafrios, ardência nas costas, mas depois fiquei tranquilo. Percebo que às vezes esqueço algumas palavras, foi a única sequela que tive, mas é coisa de momento. Como motorista da Inclusão eu tenho essa função de ‘levar ajuda’, é muito triste ver pessoas precisando de ajuda até com comida, e também fiquei muito impressionado em ver a cidade isolada e fechada, naquele começo. Infelizmente ainda tem muita gente descuidada, fazendo festa, só vão ter noção quando alguém próximo morrer. Eu tenho conhecidos que faleceram. Não fazia ideia que ia ser tanto tempo de pandemia, achava que até o fim de 2020 tudo estaria certo, e agora está bem pior. Acredito na vacina, mas vejo que no Brasil continuaremos tendo que nos cuidar até pelo menos mais um ano. Está muito complicado, as pessoas precisam tomar consciência para que não precise fechar mais nada”.

“É preciso resiliência e união de todos os setores. Confio muito na Ciência e na Medicina” 

Evódio João de Souza, diretor do Parque Unipraias, esteve vários dias entubado, mas conseguiu sobreviver

(credito – Arquivo Pessoal)

“Este último ano, com a pandemia da Covid-19, foi sem dúvidas muito desafiador para o Parque Unipraias e todo setor do Turismo. A pandemia transformou algumas certezas em questionamentos, nos forçando a fechar o parque por três meses seguidos e em várias outras datas importantes. A Covid-19 também deixou uma marca irreparável, levando um dos nossos comandantes, o sr. Júlio Tedesco. Essa perda será sempre sentida por todos nós, pelo líder que ele era, que nos inspirava e motivava a equipe. Como toda dificuldade, a pandemia também trouxe uma pausa para a reflexão, mostrando a necessidade de sair da zona de conforto e de nos adaptarmos ao “novo” turismo, transformado pela Covid-19. Nosso quadro de funcionários é composto por um time treinado e extremamente qualificado para o trabalho, uma mão-de-obra muito difícil de conquistar. Por este motivo, nos organizamos para que não houvessem demissões e atravessamos esse período assegurando o emprego de todos os colaboradores. De maneira competente, todos conseguiram se adaptar rapidamente aos novos protocolos de segurança e inseri-los em nossa rotina eficientemente. Enfim, é preciso resiliência e união de todos os setores. Confio muito na Ciência e na Medicina e sou particularmente otimista de que vamos superar os impactos de tudo isso para que, muito em breve, possamos nos encontrar em um cenário de retomada e crescimento novamente”.

“Eles estão vendo que ‘o troço’ pega mesmo!”

João Carlos da Silva Gomes, 73 anos, contador aposentado

(credito – Arquivo Pessoal)

“Eu não tenho muita recordação do início, mas lembro que estava vindo de um cruzeiro, cheguei em Balneário no fim de fevereiro, e eu disse pra minha filha ‘se não tivéssemos viajado agora, não iríamos mais’, e dali uma semana estourou tudo. Fiquei surpreso, realmente fechou tudo. Eu fiquei 90 dias fechado em casa, sem sair pra lugar nenhum. Foi um horror, eu fiquei apavorado. Após um tempo eu saí para dar uma volta, mas fico quase sempre dentro de casa, sempre me cuidando. Eu peguei Covid em dezembro, tomei a medicação e me confinei de novo. Não sei como peguei, mas tive diarreia e tosse. Perdi o olfato e paladar, o olfato demorou quase um mês pra voltar. Eu sempre acreditei que a pandemia ia longe… posso falar? Acreditava no Mandetta! E ele falava que a situação ia piorar em setembro, outubro, e realmente piorou. Agora virou esse caos, está morrendo muito mais gente do que no ‘primeiro pico’ da pandemia. É triste, o pessoal não quer se cuidar, andam sem máscara, estão se reunindo. Eu me cuido. Para os jovens é tudo festa, não estão nem aí, mas mais jovens estão tendo Covid agora, vi no jornal. Eles estão vendo que ‘o troço’ pega mesmo! Essa gurizada pega e leva para casa, contaminam pais e avós. As pessoas precisam seguir as ordens, se precisar fechar tudo de novo, então fecha. O vírus é danado, está mutando, e só a vacina vai ajudar. Está ruim a coisa, temos que nos cuidar e esperar até a nossa hora de nos vacinarmos”.

“Fiquei com uma sequela na visão”

Thaís Rodrigues Campos Pontes, fisioterapeuta da Secretaria de Inclusão Social de Balneário Camboriú

(credito – Secretaria de Inclusão Social)

“Por eu ser da área da saúde, passei a ter muitos pacientes ansiosos me procurando, desde o início da pandemia. Qualquer dor de cabeça que tinham, já me procuravam. Começamos a fazer ações, com o pessoal da Saúde, para verificar os sinais vitais nos bairros, depois também com médicos infectologistas. Na época ainda estavam sendo descobertos os testes rápidos, coletávamos o PCR em casa. Foi bem bacana, conseguimos descobrir várias pessoas que tinham Covid. Quando positivava, o médico já deixava a receita, fazia a consulta em casa. Eu imaginava que a pandemia ia durar muito tempo, porque tinha muita gente que não acreditava no vírus, usando máscara com o nariz pra fora. Quando íamos fazer os testes e avaliações, víamos que mesmo tendo sintoma, a pessoa não estava em casa para fazer. Por essa falta de consciência, eu imaginava que ia realmente perdurar. Foi bem difícil lidar com a pandemia, quando entrei pra Secretaria de Inclusão, entrei com oficinas para trabalhar como qualquer fisioterapeuta, nunca imaginei que teria que passar por uma situação dessas. Trabalhava direto sábado e domingo também, auxiliando no abrigo para moradores de rua na Rua Itália, para auxiliar eles a não transmitirem para as pessoas na rua. Ficamos por lá durante uns três meses. Tenho amigos próximos e pacientes que ficarem internados, tive paciente que teve AVC por sequela do Covid, porque mexeu com a circulação e pressão dele. Eu demorei a pegar Covid, me cuidei bastante, peguei no final do ano, mesmo tendo muito contato com o vírus. Foi um segundo, de um paciente que saiu da minha sala, espirrou, e eu estava sem a luva, e peguei na maçaneta. Tive apenas perda do olfato e paladar. Fiz o teste PCR, entrei com a medicação, e positivei (pela Unimed). Fiquei com uma sequela na visão, e soube que outras pessoas também tiveram isso. Fui no oftalmologista, busquei um novo grau, estou tendo que usar óculos quase que o tempo todo. Agora estão tendo as variantes, as pessoas seguem sem consciência, indo para a praia mesmo com lockdown. Acho que o lockdown de final de semana é bobagem, o que precisa é consciência das pessoas, distanciamento social, uso de máscara, evitar sair para barzinho, se aglomerar com amigos. Essa máscara de pano, se puder usar duas, porque não protege 100%. Estamos fazendo muitas sessões de fisioterapia pós-Covid na secretaria, porque o Covid mexe com circulação e respiração. Sou super a favor da vacina, mas ainda acho que a gente só consegue tirar a máscara quando pelo menos 80% da população tenha sido vacinada. Os casos estão em alta, tenho amigos que estão o tempo todo de plantão, está super cansativo para os profissionais de saúde, esse problema continua e eu acho que vai durar esse ano todo ainda, sim, principalmente porque as pessoas não estão tendo cuidado”.

“A contaminação é óbvia, já que o povo não está se cuidando”

Evandro Prezzi, 51 anos, presidente da AFADEFI (Associação de Apoio às Famílias de Deficientes Físicos) de Balneário e representante comercial

(credito – Arquivo Pessoal)

“Eu achava que a pandemia não chegaria aqui, mas chegou. Fui contaminado em 15 de novembro, acredito que peguei em algum comércio, já que sou representante comercial. Tive tosse, foi meu primeiro sintoma. Não tive febre em momento algum, e dizem que é o principal sintoma, mas eu não tive. Tive muita dor nos olhos e no corpo também, e um pouco de dor de garganta. Fiz a quarentena, cuidando com minhas roupas e alimentação, nesse momento somente eu em minha casa peguei. Não transmiti para ninguém. Tem que ter cuidado, muitas vezes um pega e acha que os outros também pegaram, mas não necessariamente. Desde o começo na AFADEFI tomamos todos os cuidados, alguns profissionais pegaram e foram afastados, não transmitiram para ninguém também. No início eu não imaginava que o vírus ia se alastrar tão rápido, achava que no Brasil não ia ser um problema tão grande, mas na realidade as pessoas não estão se cuidando, há essas festas clandestinas, ônibus lotado. A contaminação é óbvia, já que o povo não está se cuidando e hoje estamos nessa situação de pânico. Acredito que a vida continua, mas o vírus está aí e temos que tomar todos os cuidados. A vacina é a esperança, é o que temos nesse momento e precisamos acreditar nela. Minha família toda vai ser imunizada. 2021 ainda será um ano difícil, mas em 2022 acredito que as coisas vão começar a melhorar. Espero que o povo tenha calma, para que logo possamos nos abraçar e dar continuidade à vida”.

“Me apavorava à noite, ficava com medo de ter falta de ar”

Ivanir Maciel, 53 anos, coordenadora do programa Abraço à Vida

(credito – Arquivo Pessoal)

“O decreto de lockdown é a minha primeira lembrança, com a paralisação das aulas, a cidade fechada. Aquilo me chocou bastante. Fiquei bem assustada, sem saber o que iria acontecer. Havia medo, insegurança. Trabalho no programa Abraço à Vida, então vivenciei muitas coisas. O atendimento online foi uma coisa nova, nunca paramos de atender, inclusive o número de chamadas cresceu muito. Tivemos que lidar com bastante sabedoria com o pânico e a ansiedade, muitos casos críticos. Trabalhamos dia e noite, 70 funcionários foram afastados por serem grupo de risco. Me marcou bastante que pessoas que já estavam em atendimento com, depressão e ideação suicida, passaram a ter medo de morrer pelo Covid. Ou seja, a morte deixou de ser a ‘solução’, e o medo passou a ser da economia, desemprego, como pagar aluguel e comprar comida. Atendemos 195 pessoas por semana, em média, mais as do sobreaviso, que passam por acolhimento para saber qual a realidade e para quem encaminhamos. Eu peguei Covid em julho, vinha sentindo um cansaço, achava que era físico pelo trabalho, mas fiz o teste e positivei. Eu peguei trabalhando. Me apavorava à noite, ficava com medo de ter falta de ar, tive muita dor de cabeça, perdi o olfato e paladar, tive dificuldade de respirar e cansava rápido também. Não precisei ser internada, fiz o tratamento e fiquei bem, mas foi bem intenso, o psicológico abala mesmo. Minha sogra está entubada, vários familiares pegaram Covid também, para esse momento fica o ensinamento que temos que nos cuidar. Não é exagero, o vírus é perigoso, não temos mais lugar nos hospitais, não aglomerem, usem máscara, não é momento para festa e praia. Ninguém imaginava que ia chegar nesse ponto, mas chegou, e pela falta de consciência. Um contaminado pode contaminar várias outras pessoas. O cuidado é essencial agora”.

“Não quiseram me testar, estavam realizando exame somente em pessoas com falta de ar”

João Antônio Vitorino Júnior, 25 anos, estudante de Bacharelado em Ciências Biológicas

(credito – Arquivo Pessoal))

“Sempre fiquei informado sobre a pandemia em canais de notícias, mas não esperava que o Brasil sofreria tanto e essa contaminação fosse de forma tão rápida. Me recordo quando fui solicitado a trabalhar em casa, em meados de março do ano de 2020. Com essa notícia por decreto, tive impacto de que o vírus já circulava próximo a nós. Acredito que o impacto do coronavírus foi ocasionado principalmente pela falta de organização dos nossos governantes que não estavam aptos a lidar com essa pandemia, por falta de profissionais capacitados no assunto em questão. O que contribuiu muito para chegar no ponto que estamos é a falta de respeito das pessoas ao não se protegerem e permitirem o vírus circular cada vez mais. Acreditei que seria controlado em três meses, confesso que fui otimista. Hoje acredito que a mesma se arrastará pelo menos até o fim de 2021 devido aos negacionistas e antivacinas. Em julho/2020 tive febre e muitas dores no corpo, fui ao Centro de Combate ao Coronavírus anexo ao Ruth Cardoso e não quiseram me testar, pois estavam realizando o exame somente em pessoas com falta de ar, os que não tinham esses sintomas recomendavam ficar em casa. Me diagnosticaram com sinusite, me deram antibiótico e outros remédios para dores. Minha chefe insistiu e me encaminhou para exame em clínica particular, onde fiz e resultou como positivo. A gravidade da doença é altíssima, mesmo sendo jovem fiquei debilitado por três dias. Com certeza o descaso fez e continua fazendo o número de casos aumentar, o que é uma falta de respeito com quem se protege e faz de tudo para não contaminar os outros, principalmente as pessoas do grupo de risco. É desumano! A expectativa é piorar cada vez mais devido à falta de organização das políticas públicas de saúde aplicadas na região. Não há fiscalização adequada, não temos programas de informação e o mínimo que temos as pessoas recusam-se a acreditar, pois acham que estão sendo manipuladas pela mídia. Eu como estudante da área de Biologia, me sinto sem voz em tentar explicar coisas básicas sobre o vírus e a doença às pessoas que não querem acreditar na gravidade da doença”.

“O cotonete parecia ser uma navalha, minha narina queimava”

Helen Francine, jornalista, trabalha na TV Oceano e na Rádio CBN

(credito – Arquivo Pessoal)

“Passei o período da quarentena em Balneário, onde vivo com minha mãe Helô, artesã, idosa. Na semana do Natal de 2020 houve aquela tradicional despedida dos colegas de trabalho e votos de boas festas na emissora. Era certo que em poucos dias voltaríamos. A incerteza sempre existiu, nós vivíamos uma ilusão de normalidade, de estar no controle; muito por conta de nossas rotinas profissionais. Na véspera do Natal soube que o idealizador da TV Oceano, Jorge Barouki, aos 69 anos [que faleceu em janeiro], estava internado em Blumenau, com Covid-19. Lane, dedicada esposa, também adoeceu, se recuperava sozinha, em casa. Trocávamos mensagens via WhatsApp, diariamente. Outro colega mais jovem, na casa dos 20 anos, havia testado positivo, com sintomas leves e recuperação rápida. No dia 29 de dezembro amanheci com a garganta arranhando, foi difícil gravar o boletim de notícias para a Rádio CBN. Logo veio uma tosse boba, parecia alérgica. Não tive dúvida, passei a usar máscara dentro de casa e me isolei no quarto. Quem mora na praia sabe que fim de ano a casa tende a receber a parte da família que mora em outras cidades. Meu irmão Douglas, a cunhada Maria Alice, a sobrinha Isadora e a mascote Pepita estavam aqui. Nos dias seguintes tive coriza, congestão nasal, ardência nos olhos, garganta e diarreia. Passei a virada do ano me virando na cama, sem energia e com muita sede e sonolência, além de dores fortes na região dos rins e uma oscilação de temperatura. Do calorão de molhar a nuca passava a calafrios de puxar o edredom. Um misto de tristeza, desânimo. No segundo dia de 2021, sem muita disposição, fui fazer exame no Centro Covid. Lá no começo da pandemia eu já havia feito, rápido, tranquilo. Dessa vez, o cotonete parecia ser uma navalha, minha narina queimava tanto que mal consegui deixar que coletassem do outro lado. Vi que não era normal tanta sensibilidade. Passei pela consulta com a médica, que recomendou seguir em isolamento e já entregou em minhas mãos um kit de remédios (azitromicina, ivermectina e dipirona) para aliviar os sintomas. Para garganta eu já estava tomando o xarope de Guaco, algo que ela recomendou continuar. No dia 5 de janeiro o meu sistema de olfato e paladar foi desligado, como se desliga uma chave de luz. Cremes e perfumes passaram a ter o mesmo aroma: álcool. Os alimentos todos viraram dois grupos: doces ou salgados fossem quentes ou frios. A diferença entre os temperos simplesmente desapareceu. Sentia a textura do queijo, não o sabor. Nessa fase, até ir ao banheiro ficou exaustivo. Muita sede de água, embora tomasse chá com limão de dia e camomila para tentar dormir. O sono era agitado. Meu corpo pedia água fresca, não tinha apetite. Próximo do décimo quarto dia dos sintomas comecei a ouvir uma rouquidão parecida com a respiração de um ‘pug’, um som que vinha do peito e eu não conseguia controlar. O resultado do teste público não havia chegado. Agoniada, fiz um particular de sangue. Mostrou que meu corpo esteve peleando com o vírus, embora já estivesse reagindo. Nesse momento, intensifiquei as meditações guiadas em vídeo e os áudios que me ajudaram muito a acalmar a ansiedade e o medo. De alguma maneira, talvez intuitiva, eu sabia que a próxima etapa se apresentava claramente, em duas vias, uma da recuperação e outra da hospitalização. Naquela noite, conheci uma nova sensação, foi como se eu desmaiasse já estando deitada. Adormeci confusa, sem saber onde acordaria. Abri os olhos com um certo receio do que veria ou quem veria ao redor, reconheci minha estante de livros, ainda estava no meu quarto e respirava. Uma dádiva! Quantos amigos e familiares se foram nessa pandemia? Quantos ainda veremos ir para o hospital sem jamais voltar para casa? Sigo recuperando olfato, paladar, movimentos articulares e o ritmo respiratório. Nessa fase pós-covid meu sono, que nunca foi problema, tem sido interrompido, acordo entre duas e três da manhã. Tento não abrir os olhos… se o sono não volta, leio, vejo séries, acompanho os colegas nos noticiários da madrugada. Outra sequela é o lapso de memória (com menos frequência) a cada semana. O esquecimento de informações cotidianas, por exemplo, o número da rua onde moro, o nome de um amigo, número do próprio telefone (dos outros já não decorava antes da pandemia, risos). Os comentários que precisava fazer após as reportagens e sumiam do meu cérebro… São tempos doloridos, sem dúvida. Quem sabe sejam dores de parto de uma nova era, melhor, mais humanizada e com um novo senso de coletividade. É como se a pandemia tivesse vindo para ressignificar nossos valores, destacar a real importância da vida e de pequenos grandes presentes como o contemplar do amanhecer em uma contemplação serena, sentindo o ar suave inundando o ser. Um período de transição, necessário para de alguma maneira nos ensinar a respirar com o coração!”.


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